Santorum e os 'caucus'
13/02/12 15:32
DE WASHINGTON – As vitórias de ex-senador Rick Santorum nos caucus de Minnesota, Colorado e Missouri (este último, sem valor matemático) levantaram a bola do político ultraconservador criado em família de classe média/média-baixa e trouxeram à tona duas questões importantes sobre a escolha do candidato republicano à Casa Branca:
1) Será que Mitt Romney, o favorito, tem mesmo condições de mobilizar os republicanos para votarem em novembro, já que o voto nos EUA não é obrigatório? e
2) Santorum, um sujeito que é conservador radical de verdade (para o bem e para o mal) teria condições de derrotar Romney?
Eu tenho dúvidas na primeira. Acho que muita gente nos EUA quer ver Obama fora da Casa Branca de qualquer maneira. Também acho, porém, que uma parcela significativa não vê grandes diferenças entre o ex-governador de Massachusetts e o presidente (o que significa que Romney é moderado demais, na visão dessas pessoas), e que sua dificuldade em criar empatia com o público é notória.
Mas será que a resposta é escolher Santorum?
Ann Coulter, uma das principais comentaristas/analistas conservadoras e autora de uma baciada de livros chamando a esquerda de idiota, fez um apelo sexta-feira no principal Congresso conservador do país, a CPAC: “Não é alienando os moderados que o Partido Republicano vai conseguir alguma coisa”.
E disse mais: “A linha de ataque costumeira dos democratas costuma ser que o candidato republicano é um idiota. Só tem uma pessoa nesse páreo que não há como ser chamada de idiota, Romney.” [n.e., bizarro esta frase vir dela, que adora chamar todo mundo de idiota]
Não tenho lá muita admiração por Coulter, mas desta vez é provável que ela tenha razão.
Na mesma cúpula, Santorum havia feito um discurso aplaudidíssimo. Um contraste impressionante com outro desses Congressos que eu havia visitado em novembro, quando ele ficava meio às moscas, posando para foto e procurando com quem conversar (sério). Levantou o público bem mais do que Romney e Newt Gingrich. Mesmo assim, perdeu a simulação eleitoral no evento, vencida por Romney com 38%. Santorum veio em segundo, com 31%.
(Gingrich teve 15%, só 3 pontos a mais do que Ron Paul _com a diferença de que aquele não era o público de Paul e o deputado libertário nem sequer compareceu ao evento, ao contrário do ex-presidente da Câmara, que discursou, levou a mulher e apresentou filmes.)
O ponto é que Santorum vai muito bem no palanque, parece um sujeito muito mais de verdade do que Romney. Mas nas urnas, quando o eleitor está sozinho, acaba preferindo alguém menos estridente. E é mais ou menos isso o que tem acontecido nos “caucus”.
Os caucus funcionam como assembleias de condomínio, onde eleitores defendem seu candidato antes de votar por aclamação, mãos erguidas ou papeizinhos, ou formando grupos em prol de um ou de outro que depois tentam persuadir mais adeptos até virarem maioria. Ou seja, o gogó (do candidato e de seus cabos eleitorais) conta.
Santorum ganhou todos os caucus até agora, exceto o do Maine, um dos Estados mais liberais do país, que como se esperava se dividiu entre Romney e Paul. E, acho eu, deve continuar ganhando caucus país afora.
Mas para azar do ex-senador, os caucus têm peso menor e dão ao vencedor apenas a mesma proporção de delegados que ele teve em votos, em vez de o lote todo, como acontece na maioria das eleições primárias em Estados grandes (delegados são as pessoas que vão escolher o candidato na convenção partidária, e cada Estado tem direito a um lote, que varia conforme seu tamanho e representatividade para o partido).
É por isso que, apesar de todo o furor em torno de Santorum, ele tem apenas 36 delegados a seu lado, contra 104 de Romney. Ok, ainda temos prévias até junho e são necessários 1.144 para vencer, mas não me parece que a proporção vá variar muito (vamos ver como Santorum se sai nas primárias de Michigan e Arizona, dia 28).
Mais interessante é notar que se somados os 36 de Santorum com os 34 de Gingrich e os 27 de Ron Paul, eles juntos têm 97 — diferença mínima para Romney. Isso pode ajudar a responder a primeira pergunta, láááá em cima. Alguém na Casa Branca deve estar adorando essa disputa. (LC)
Tá certo que isso é seu ganha-pão, mas será que às vezes tudo isso não te parece muito maluco, Luciana? Esse fetichismo dos republicanos, por exemplo. Dia desses li por aqui que o Romney num debate teve que se esforçar para convencer os telespectadores que adorava dar uns tiros também. Tudo isso soa tão absurdo! Se bem que bizarrice não é só aí, certamente. Na Argentina, tem aquela senhora que quer encarnar o legado da Evita Perón. Belo legado, diga-se de passagem. E por aí vai…
O Obama se perder será um acontecimento muito instrutivo. O cara ganhou e gerou um frenesi mundial, pra depois de pouco tempo dar nisso… Bem feito pra ele. Essa gente perde um pouco a noção da realidade no poder e ele tergiversou demais realmente. E assim vamos.
Oi, Silvino. O que parece muito maluco para mim é a polarização extrema a que chegamos. Não acho que seja coisa específica dos republicanos ou dos democratas, embora os primeiros sejam muito mais estridentes hoje, à beira da intransigência. Isso que a Coulter disse foi muito bem colocado. Os caras estão abrindo mão da racionalidade, houve uma infantilização do debate.
Mas engraçado, essa coisa do Romney dizer que deus uns tiros é meio a coisa do FHC comendo carne de bode. Lembro que na eleição de 2004, o Kerry _que é democrata, mas tem em comum com o Romney o fato de ser rico e de Massachusetts_ teve de convencer que participava de caçadas. Isso é mais uma anedota, coisa de político, no mundo todo. Concordo com sua avaliação sobre o Obama, é o maior estouro de expectativas inchadas que eu já vi. Mas não acho, por outro lado, que ele tenha pego uma situação fácil. Não sei como a Hillary ou o McCain se sairiam no lugar. O que vc acha? Abs e volte sempre.
Silvino, Luciana, talvez eu possa ajudar um pouco: Em Utah, onde estao as origens de Romney, cacar e dar tiros nas montanhas, eh esporte “nacional”. A principio, eh um pouco dificil para nos brasileiros aceitarmos com naturalidade a visao de pessoas, a beira da estrada, atirando em alvos ao peh das montanhas… ver caminhonetes carregadas com alces e veados cacados a tiros e flechadas… E, isto eh comum em boa parte dos estados do oeste…
Acho que tens razão. Provavelmente, nem a Hillary nem McCain levantariam o país e estariam numa situação muito mais favorável que a do Obama. Política tem muito disso: o sujeito pega uma onda de prosperidade e vira “gênio”. Quando o que mudou foram as condições físicas do devir histórico, o gênio ali era só um acessório. Com ele ou sem ele, as coisas estariam muito próximas das mesmas. O Obama pegou a maré de urucubaca deixada pela gastança e desregulamentação do Clinton e do Bush. Ao invés de gênio, teve que se virar com “E a economia, estúpido?”
Mas é que o que parece faltar mesmo hoje em dia é líder pra valer, daqueles com L maiúsculo como queria o sábio chinês. Virou tudo uma questão de marketing; o debate inteligente desapareceu para dar lugar à hipocrisia, tibieza, estridência. Todo esse circo tão bem sintetizado nesse périplo republicano.
Não quero exagerar, mas sempre me pareceu haver algo muito doentio nas hostes republicanas. Lembro de na eleição ganha pelo Obama, ter tido sérias dúvidas se o país “suportava” um terceiro governo seguido deles. Não sei, Luciana, mas à distância parece haver qualquer coisa de decadência interior por aí. E eles tiveram um século XX extraordinário. Da ciência às artes, da economia à tecnologia, foi uma liderança espantosa. Analisar tudo isso “é muito pano pra manga”, como dizem aqui no sul.
Obrigado pelo esclarecimento, Bosco. É tradição, tudo bem. Mas acho esses caras metidos a macho uns covardes usando rifles, isso sim. É triste. abs
Silvino, eu acho que o que existe e você reconhece como “decadência interior” é a epifania, aqui, de que eles não são mais a única potência do planeta, como foram nos anos 90 e início dos 2000. A isso cada grupo reage de um jeito, procurando respostas ou radicalizando-se mais nas suas “certezas”. É a impressão que eu tenho daqui, e acho que há grupos assim dos dois lados, republicanos e democratas. O que aconteceu do lado republicano foi que, infelizmente, as franjas mais radicais parecem ter tomado posse do microfone. Eu acho que se o partido perder esta eleição, isso deve provocar um re-exame interno. Abs!
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Verdade, Bosco, é tradição, e é como a história do Kerry, lembra? Eu não lembro em que Estado foi, mas era o episódio buchada de bode dele.
E esse apego dos americanos às armas é uma das coisas menos explicáveis. Ok, a segunda emenda garante, mas aquilo foi escrito no tempo em que havia milícias! Eu acho engraçado esse purismo que alguns republicanos defendem ao ler a Constituição, me faz lembrar os que leem a Bíblia, ou a Torá, ou o Corão ou qualquer livro religioso escrito há centenas (ou milhares) de anos ao pé da letra, sem ver nuances, metáforas e, no caso da Constituição dos EUA, aplicabilidade à época. Abraço!
A Senhora, ou senhorita, Luciana Coelho deveria investigar melhor suas fontes. O site “realclearpolitics.com” mostra, claramente, que o pré-candidato Romney ganhou quatro caucus e o senhor Santorum três. Cuidado com as suas palavras e suas informações, pois você está deixando de ser confiável como jornalista. Pelo menos tenha o mínimo de coragem e dignidade de colocar este comentário que envio à Senhora. Obrigado.
Claudius, preste atenção ao post. Eu não estou falando em PRÉVIAS, mas em caucus. Como expliquei, há dois tipos de prévias partidárias: as primárias e os caucus. O Santorum venceu quatro dos caucus disputados – Iowa, Missouri, Minnesota e Colorado. O Romney ganhou Nevada, e praticamente empatou com o Ron Paul no Maine. Ou seja, o Romney não vai bem em caucus, vai bem em PRIMÁRIAS _ganhou em New Hampshire e Flórida. Mas mais importante, e é este meu ponto, o Santorum não ganhou nenhuma primária (a terceira, na Carolina do Sul, foi vencida pelo Gingrich). Você misturou as bolas. Caucus e primárias não são sinônimos. Críticas são bem vindas neste blog, mas preste atenção ao texto antes, por favor. Abs.
Excelente analise, Luciana. Nao poderia ser melhor explicado o intrincado sistema de escolha do presidente, nos EUA. Romney tem o cacoete de que, quando discursa, nao pode parecer mormon. Eh uma situacao complicada e, isso tira-lhe muito da autenticidade. Aqui, vendo a coisa do ponto de vista do “sertao”, notamos isso.
Quanto a Santorum, fala o que quer e o que pode, exatamente como um franco-atirador; nada a perder. Isso, deu-lhe muita autenticidade.Ideologicamente, ele atende um dos figurinos do armario republicano. Aqui fora, em Wall ou Main Street, eh onde as contas nem sempre batem com a ideologia. Como vc disse, os Carlyles de Obama devem pensar: Nunca ganhei dinheiro tao facil e, com trabalho dos outros. Os republicanos estao a dar farta municao a Obama… o chamado tiro no peh. Abracao!
Oi Bosco, obrigada! Pois é, eu tenho a impressão que essa radicalização de uma parte do partido vai atrapalhá-lo muito lá na frente. O Santorum não só tem a questão dos valores morais como o fato de ter sido criado na Pensilvânia, ter avô carvoeiro… ele se identifica muito mais com o eleitor médio. Agora, ele precisa por uma proposta em pé, né. O Romney tem uma proposta, concorde-se com ela ou não. Mas precisa quebrar esse gesso, ou vai ficar difícil. Quem tem ajudado é a mulhr dele, que é muito simpática no palanque e soa muito mais natural. Vamos ver se ela consegue passar um pouco disso ao marido… Abraço!
Um detalhe: o plural de “caucus” é “caucuses”, ver
http://en.wiktionary.org/wiki/caucus
Mabruno, você tem razão, é “caucuses” em inglês. Eu preferi flexionar em português, já que o texto é em português mas não temos um sinônimo na nossa língua. Achei que soaria estranho flexionar em inglês (pelo visto, soou em português). Abs.