Discutindo a relação, parte 1
01/03/12 11:12NOVA YORK – Como os americanos votam e como isso influencia o Brasil? Em entrevista ao blog, o cientista político Paulo Afonso Velasco Júnior, professor da Fundação Getulio Vargas e coordenador de Relações Internacionais da Universidade Candido Mendes, interpreta a questão. Como a entrevista é longa, divido em duas partes.
FOLHA – No passado recente, o que mudou nas relações EUA-Brasil com a alternância de presidentes republicanos e democratas?
PAULO AFONSO VELASCO JÚNIOR – É importante, em primeiro lugar, tentar escapar um pouco à lógica exclusivamente partidária para analisar a relação do Brasil com os Estados Unidos. O modo como a Casa Branca enxerga o Brasil e a América Latina depende mais do cenário internacional e dos constrangimentos domésticos e sistêmicos, como a crise financeira, a ameaça do terrorismo, a Primavera Árabe, entre outros.
No início dos anos 90, por exemplo, no governo republicano de George H. Bush, houve empenho num adensamento do diálogo com a América Latina através da Iniciativa para as Américas, contribuindo para uma ampliação do diálogo com o Brasil e com o seu entorno regional.
No governo democrata de Clinton, a estratégia dita liberal hegemônica e a ênfase dada pela Casa Branca ao multilateralismo em distintos temas da agenda internacional, como comércio, meio ambiente e até mesmo segurança internacional, ajudou também no estabelecimento de uma relação de confiança com o Brasil de Fernando Henrique Cardoso, chegando inclusive a haver vínculos pessoais entre os dois presidentes.
No governo republicano de George W Bush, a orientação crescentemente unilateral adotada pelos neoconservadores, dentro de uma perspectiva mais imperial e menos liberal da Casa Branca, principalmente após o 11 de setembro, levou a um maior distanciamento nas relações com o Brasil, ainda no governo FHC, que optou, já naquele momento, por uma estratégia de adensamento das relações com países emergentes como Rússia (visitada pelo presidente pela primeira vez apenas em 2002), Índia e África do Sul (parceiras na questão do licenciamento compulsório de fármacos na OMC em 2001) e China. Sinal desse esfriamento foi o crescente divórcio entre as posições negociadoras dos dois países nas discussões da Alca a partir de 2001.
O segundo governo Bush filho, coincidindo já com o presidente Lula, revelará uma retomada progressiva do apoio ao multilateralismo, num retorno paulatino à lógica liberal hegemônica, principalmente diante dos desafios com a reconstrução do Iraque e, mais ainda, com a gestão da crise financeira no final de seu governo.
Apesar de o Brasil ter continuado numa estratégia clara de diversificação de parcerias e de consolidação de alianças sul-sul, a relação com os Estados Unidos revelou durante boa parte do governo Lula um grau elevado de confiança mútua e maturidade, marcado inclusive por intensa troca de visitas de altas autoridades.
Curiosamente, com o governo democrata de Obama, supostamente mais afinado com os princípios e práticas apoiados pela diplomacia brasileira, a relação bilateral viveu alguns momentos de relativa tensão, com notáveis assimetrias de posicionamento em foros internacionais, como nas questões relativas ao programa nuclear iraniano no governo Lula e ao uso da força na Líbia já no governo Dilma.
A principal mudança percebida no contexto das relações bilaterais nos últimos 20 anos reside na crescente projeção do Brasil e no enfraquecimento relativo da posição dos Estados Unidos no mundo. Isso, sim, pode contribuir para uma relação mais simétrica e menos verticalizada.