Brics: perto do coração
28/04/12 10:53DE NOVA YORK – No final de semana passado, em Washington, o FMI anunciou que terá uma barreira anticrise de US$ 430 bilhões para atenuar choques nos países-membros. Os Bric (Brasil, Rússia, Índia e China; a África do Sul não participou da negociação) divergiram: Brasil disse que não divulgaria o quanto emprestaria Fundo _o governo brasileiro queria sinais mais claros de que o organismo prosseguiria com a reforma que dará mais peso aos emergentes. Rússia e China revelaram ao FMI o tamanho do aporte.
Poucos dias antes, os Brics também discordaram sobre o nome que apoiariam para presidir o Banco Mundial. Tradicionalmente, a instituição é comandada por um americano ao passo que o FMI é liderado por um europeu. Neste ano, os emergentes pressionaram para que o esquema fosse interrompido, mas não conseguiram chegar a um consenso.
Conversei com Paulo Afonso Velasco Júnior, da Fundação Getulio Vargas e da Universidade Candido Mendes, sobre a articulação dos Brics nos foros internacionais. Para ele, mais que os companheiros emergentes, o Brasil precisa do grupo. Veja trechos da entrevista, que também aborda os acordos de comércio em ano eleitoral e outros temas:
“O Brasil precisa dos Brics”
PAULO AFONSO VELASCO JÚNIOR – A gente não pode esperar que os Brics sejam um grupo perfeitamente coeso e uniforme. Os Brics funcionam como um mecanismo que busca a concertação, mas nem sempre é possível. Os interesses dos cinco países em muitos temas são muito divergentes, pela própria história deles, pela região em que estão inseridos, pelo peso econômico que é muito diferenciado. Não dá para comparar a China com nenhum dos outros quatro Brics. Não só em temas financeiros, mas em temas comerciais há diferenças profundas, em temas de segurança muitas vezes também há diferenças profundas.
A presença dos Brics nas reuniões internacionais, como no G20 financeiro ou no FMI, serve para diluir o poder dos que sempre comandaram. A simples existência dos Brics já ajuda nisso, e para o Brasil é fundamental. Tirando a África do Sul, que entrou agora e não tem o peso dos outros, entre os quatro originários quem mais faz questão desse agrupamento é sem dúvida o Brasil. É quem mais precisa dessa voz conjunta, desse mecanismo de articulação porque é carente de capacidades materiais (“capabilities”).
A China e a Rússia já estão no centro do poder, até por serem membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU. A Índia tem uma importancia muito maior para os EUA pelo contexto regional em que está inserida, então tem um diálogo muito mais próximo com a Casa Branca.
Relação Brasil-EUA
Em ano de eleição nos EUA, dificilmente uma concessão será feita, por exemplo, na área de comércio, que é uma área muito esperada. Na visita da [secretária de Estado] Hillary [Clinton] ao Brasil, ela chegou a sinalizar que seria interessante Brasil e EUA discutirem um acordo de livre comércio, algo que nunca foi discutido diretamente entre os dois. Eles negociaram no âmbito da Alca de meados da década de 1990 até o início dos anos 2000, mas a Alca acabou não saindo. Em maio entra em vigor o acordo de livre comércio EUA-Colômbia. Foi uma maneira de tentar seduzir o Brasil, mas claro que não é uma coisa que vem da noite para o dia.
É um momento bom da relação Brasil-EUA, até pela posição que o Brasil ocupa no mundo e pela mudança no cenário internacional. O mundo hoje não é o que era ao fim da Guerra Fria. Há uma tendência forte à multipolaridade, um apelo cada vez maior para o multilateralismo, o que a diplomacia brasileira chama de multipolaridade de cooperação, tentar ampliar o diálogo entre os polos e o Brasil aparece como um ator importante.
Embora seja um momento interessante, o Brasil não é um parceiro tão privilegiado como outros mundo afora. Até pela região em que está inserido. O Brasil não tem o peso de uma China, o Brasil não tem o peso da Índia e não tem o peso que tem a União Europeia para a política externa norte-americana. A América Latina não tem todo esse espaço.
Cúpula das Américas
Tivemos a Cúpula das Américas em Cartagena, na Colômbia, que foi um fracasso. Era um momento esperado para tentarmos medir o novo momento da relação EUA-América Latina e foi muito ruim. Houve algumas diferenças grandes em temas sensíveis. Na questão das Malvinas, por exemplo _EUA e Canadá se recusaram a apoiar a posição dos demais países da região em defesa da causa argentina. Houve uma diferença grande em torno de Cuba, que deveria participar da próxima Cúpula das Américas. EUA vetaram essa ideia. Isso criou um certo mal-estar.
Se a Cúpula de Cartagena era tida como uma cúpula em que poderia ser percebido um novo momento da relação América Latina-EUA, talvez para um segundo governo Obama, um momento de maior proximadade com a região não parece ser o caso. O Brasil é um ator especial, privilegiado, temos aquilo que a certa altura a Condoleezza Rice chamou de diálogo estratégico com os EUA. Embora a América Latina não seja uma área tão prioritária, o Brasil é um país especial na região, mas claro não podemos superdimensionar o peso.
Poder do Brasil
Apesar da projeção maior do Brasil, no frigir dos ovos, ainda falta “capabilities” [capacidades materiais], fundamentalmente no plano da segurança. Quem primeiro proferiu essa frase foi Saraiva Guerreiro, chanceler no governo Figueiredo, que afirmou a certa altura que o Brasil não tinha excedente de poder. Essa frase à época gerou muita polêmica e até hoje gera polêmica.
Passados 30 anos, o Brasil melhorou em termos de poder? Melhorou, mas excedente de poder nós não temos realmente. Não temos um poder militar extraordinário, também não temos uma projeção política tão significativa, até por não estarmos no Conselho de Segurança como membros permanentes. Isso faz muita diferença.
Claro que em algumas agendas o Brasil é um polo, sem dúvida nenhuma na agenda ambiental, mas quando é um foro mais restrito, por exemplo quando se negocia a paz entre Israel e Palestina, o Brasil fica do lado de fora das negociações. Quando o Brasil tentou ter um protagonismo maior na questão nuclear do Irã ele também foi prontamente colocado de escanteio pelos EUA. Isso revela que não temos como dar as cartas na prática. Não individualmente.
Excedente de poder é você dispor de variáveis de poder. Por exemplo, uma bomba atômica. Não estou em hipótese nenhuma defendendo que o Brasil deveria ter, mas é um excedente de poder. Também é um excedente a condição de ator hegemônico em uma região estratégica. O Brasil é um ator hegemônico _embora o Brasil não goste do termo_, na América Latina, mas a América Latina não é uma região tão estratégica assim. Quem olha para o Brasil vê um ator importante, mas que não dispõe das variáveis necessárias para estar no primeiro degrau, onde colocaríamos três, quatro ou cinco atores.
Inserção por outros meios
Nos próprios estudos que se faz desse mundo pós-americano, para usar uma expressão do [autor indiano-americano] Fareed Zakaria, o Brasil não aparece em muitas das análises. Citam China e Índia quando se fala em difusão do poder. A América Latina ainda é uma região negligenciada, que tem variáveis interessantes em algumas esferas, como a biodiversidade as reservas de água, mas não é uma região tão estratégica para os interesses globais dos EUA e da UE. As variáves de poder no sentido clássico, de poder militar, de projeção, aquilo que na verdade de alguma forma faz você ser visto e respeitado, não temos isso em excedente.
Tanto que a inserção que o Brasil busca é por outros meios, enfatizando o multilateralismo, porque ele sabe que pela via unilateral ele não tem como se colocar como outros têm. O que se temia, e ainda alguns temem, é que em vez de termos uma multipolaridade tenhamos um condomínio de poder, uma especie de G2, China e EUA. Eles têm como se colocar meio que na marra, o Brasil não tem, então tem que optar por uma insercão mais multilateral, defendendo, como a gente tem feito, uma democratização dos foros internacionais, porque aí sim, aumentando a representatividade, o Brasil acaba participando.
O Brasil tem que buscar essa democratização, tem que buscar uma contribuição assumindo responsabilidades de outra ordem, com o desenvolvimento, com o ambiente, com os direitos humanos. Quando é uma questão de “hard power” o Brasil é geralmente colocado à margem.
O momento que o cenário internacional contemporâneo revela é um momento que tende verdadeiramente à multipolaridade, mas o necessário é que não seja meramente uma multipolaridade. Porque a multipolaridade pode ser de confrontação, por exemplo. Então o Brasil deve contribuir, e se possível via Brics ou Ibas (grupo de cooperação que reúne Índia, Brasil e África do Sul), quem sabe pela recém-constituída Celac (Comunidade dos Estados Latinoamericanos e Caribenhos), tentar uma multipolaridade de cooperação, um multilateralismo de reciprocidade, como costumava dizer nosso ex-chanceler Celso Amorim. Porque aí sim conseguiremos voz e presença, e a partir daí levar a uma ordem internacional menos assimétrica.
A presença de Cuba não foi vetada pelos EUA. A Carta da OEA tem uma cláusula democrática e por isso Cuba está fora. Basta que os Castro saiam do poder para isso mudar.
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O Brasil quer projetar poder onde e por quê? O que vemos atualmente é vontade de opinar nas questões do Oriente Médio, do Conselho de Segurança da ONU e de outros fóruns internacionais. Mas não é para defender os interesses nacionais, é para sempre marcar posição contra os EUA e com freqüência contra os europeus. Enquanto for assim, ninguém precisa esperar apoio dos EUA e da Europa para as pretensões do governo do Brasil.
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Se a preocupação do governo brasileiro fosse com os interesses nacionais, Argentina, Bolívia e Paraguai já teriam sido retaliados para aprenderem que sobre o Brasil não se tripudia. Mas a Argentina inferniza o empresariado brasileiro. O Paraguai rasgou o contrato de Itaipu e atualmente persegue os cidadãos brasileiros à bala. E a Bolívia roubou as instalações da Petrobras, persegue brasileiros à bala e seus militares já chegam ao ponto de invadir o território brasileiro. Enquanto isso os governos de Chile e Colômbia não precisam contar com o governo brasileiro para absolutamente nada. A diferença entre eles? Argentina, Bolívia e Paraguai têm governos esquerdistas antiamericanos. Chile e Colômbia têm governos conservadores pró-americanos.
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Quando o governo brasileiro tiver uma agenda brasileira, primeiro projetará poder na vizinhança da América do Sul. Depois, conforme a própria conveniência, projetará além. Hoje, com a agenda antiamericana, aceita e incentiva os vizinhos a contrariarem os interesses do Brasil desde que seus governos sejam também antiamericanos. E tenta entrar nas discussões internacionais só para acotovelar os interesses americanos, raramente dando a sorte de isso coincidir com o interesse brasileiro.
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A participação do Brasil em Bric, MERCOSUL, Unasul, OEA e qualquer outro grupo continuará inútil para os brasileiros se for usada só para tentar atrapalhar os EUA. A China participa de vários fóruns internacionais defendendo os próprios interesses e nada além. Não sabota só por sabotar e não entra de forma alguma em problemas que não envolvam seus interesses (conflito Israel-Palestina, por exemplo). A China limita-se a defender seus interesses ferozmente. O Brasil deveria fazer o mesmo: defender os próprios interesses e esquecer o antiamericanismo (que atrapalha mais o Brasil do que os EUA).
Ótimo e claro o seu comentário. Parabéns.!!!
Cobriu toda a matéria sem deixar qualquer dúvida, mas o Brasil continuará com esse governo “dando murros em ponta de faca”.
Concordo plenamente. Ressalto ainda uma maior necessidade de extender nosso poderio militar, para nossa proteção e como forma de ganhoi de importãnia geopolitica. A questão nuclear não vejo proque fabricar, mas é necessário o dominio completo do ciclo e que fique patenet que podemos fazer uma bomba termonuclaer se assim um dia for necessário.Isso gera respeito e temor entre possiveis futuros agressores.Parabés pela lúcida análise.