Os sem-noção
05/09/12 15:40CHARLOTTE, CAROLINA DO NORTE – Michelle Obama subiu ao palco da Time Warner Arena na noite de ontem para falar do marido e, como fez Ann Romney na convenção republicana, pedir a confiança do eleitor e explicar que se casou com um bom sujeito, veja só sua história de vida etc etc.
As duas cumpriram o papel lindamente.
O que diferenciou o discurso da primeira-dama titular do da aspirante é que Michelle (ou os redatores de seu texto) usou, de forma inteligente, os episódios da vida de Obama não só para mostrá-lo como um cara de bom caráter, bem-sucedido e boas intenções (como fez Ann), mas para mostrar que Barack é “gente como a gente”.
Mais do que isso: para mostrar que as decisões políticas do marido se voltam para a classe média porque ele, supostamente, viveu o que a classe média vive (“éramos tão jovens, tão apaixonados e tão duros!”, lembrou Michelle).
E dá-lhe episódios envolvendo contas de médico, empréstimos para pagar a faculdade saldado só muitos anos depois, e o testemunho de ter em casa uma mãe (no caso dele, uma avó) que trabalhava fora mas recebia menos que os colegas simplesmente porque era mulher.
Isso tudo, claro, não é uma reminiscência inocente, tampouco uma apresentação ao eleitor democrata, que a essa altura é capaz de recitar a história de vida do presidente, alvo de ao menos quatro boas biografias, de trás para frente. A ideia é contrastar as agruras de Barack com a suposta “vida fácil” de Mitt Romney, o homem de US$ 250 milhões cujo nome não foi citado nenhuma vez pela primeira-dama.
Calma. Só estou seguindo a linha de argumentação democrata. Já disse aqui que acho uma bobagem se ater ao discurso de que é um problema Romney ser rico — afinal, estamos em um país que preza o sucesso, e até onde se sabe o ex-governador de Massachusetts ficou rico trabalhando, não herdando e muito menos roubando.
Mas o gênio do discurso democrata é dar um tempo na rixa ricos vs. pobres (ok, eles não acabaram oficialmente com isso, mas evitaram ontem à noite) e mostrar que uma experiência de vida classe-média pode ser mais útil do que uma experiência de vida classe-alta na hora de tomar decisões que afetam a classe média — especialmente quando a versão que a situação apresenta de Romney é a de um sujeito que nunca teve problemas (o que não é verdade). No fim, sabemos, o voto que mais pesa é o desta fatia do eleitorado.
O curioso disso tudo é que, apesar do antagonismo exacerbado entre os dois partidos, as convenções são gêmeas em seu intento. Mostrar que o partido tem soluções para a economia? Mostrar que seu candidato compartilha dos verdadeiros valores americanos? Nada disso. O intento em Tampa e aqui em Charlotte é mostrar que o sujeito do outro lado — Obama lá, Romney aqui — é um sem-noção.
Perdi as contas de quantas vezes ontem à noite ouvi algum dos oradores democratas dizer que “Romney não entende” (“Romney doesn’t get it”, como afirmou Julián Castro, o orador-estrela da noite) ao falar de algum perrengue cotidiano ou da reforma da previdência ou do sistema tributário ou da nova lei da saúde.
Da mesma forma, perdi a conta de quantas vezes os republicanos pintaram Obama como um cara que só viaja, promete coisas impalpáveis, usa palavras bonitas mas não sabe nem por onde começar.
Claro que se algum dos dois fosse desprovido de bom senso, ele não teria chegado aonde chegou. Mas se acreditarmos nas campanhas, neste ano temos em confronto dois sem-noção.
Luciana,
Gostaria muito de sugerir a voce que saisse do lugar comum da convencao. Afinal de contas e possivel ver os discursos ao vivo em qualquer parte do planeta. Basta ter uso da internet, ou tv a cabo.
Seria mais interessante(ao menos para mim e claro!) que fosse as ruas da cidade e entrevistasse pessoas para sentiirmos melhor o clima dos eleitores tanto democratas quanto republicanos. Seria mais interessante tambem saber como os eleitores de diferentes “backgrounds” estao vendo as convencoes.(negros, brancos, latinos, asiaticos, liberal, conservador, etc.) Acredito que assim teriamos um melhor entendimento como os eleitores norte americanos, principalmente do sul estao vendo a eleicao de 2012.
Um forte abraco.
Edson, eu concordo com você, mas eu preciso acompanhar os discursos e não tenho tempo para fazer as duas coisas. A logistica aqui é muitoc omplicada. Mas eu conversei com algumas pessoas ontem e hoje, e vou por um pouquinho disso no post de hoje, combinado? Naquele em que eu falo do contraste de envolvimento na convenção republicana e na democrata também tem um pouco dessa coisa da rua. Abs.
Eu sou Independente e não Republicano.
Para Democratas é difícil entender quando é a hora de parar de premiar quem não quer trabalhar.
Romney pegou o estado de Massachussets no “deep red” e tornou o estado com superavit. Este estado é sólido Democrata com os Kennedys e outros mais, que nunca souberam como resolver o problema.
O problema é que não tem ninguém no partido Democrata que pode superar Romney em conhecimentos economicos, então os “clown” Democrata querer cobrir o sol com a peneira. O grande problema é que muitos aceitam.
P.S.: Onde esteve “Charuto Clinton” nos últimos 4 anos, já que ele vai resolver para Obama os problemas da economia dos EUA.
O Clinton não vai resolver nada, o que ele fez foi pedir para as pessoas que elas acreditem que o Obama vai resolver.
Minha pergunta original foi de onde Clinton tirou este plano “fantástico” para a economia dos EUA. Onde esteve Clinton nos quase 4 anos do governo Obama?
Eu sei muito bem que ele como “BOM Democrata” tem a obrigação de comparecer na convenção.
O que aconteceu com Al Gore? Ele realmente desapareceu do ceenário!
Boa pergunta sobre Al Gore. Depois do Nobel pela campanha de alerta pelo aquecimento global, ele ssumiu. Vou procurar. Abs.
O grande problema é que o Al Gore embora seja Democrata não é de acordo com a direção tomada por Obama. Ele fez comentários que “não ajudaria” eleger Obama, e foi “esquecido” propositadamente pelo o comitê que organizou a convenção Democrata.
Se ele diz algo que contradiz “as eternas promessas” de Obama & Companhia não é bom para as eleições.
Puseram Al Gore no “armário”
Mas o Cory Booker, que criticou o Obama na internet e virou meme, estava lá. Sei lá, José, isso me parece natural da política. Republicanos que não seguem a linha mais dura do partido também ficaram de escanteio. Abs.
Se cada eleitor americano, democrata ou independente, emocionalmente comparasse o problema da economia como uma doença que acomete um seu ser amado, e que se não for tratada, imediatamente, morrerá, Mitt Romney seria, avassaladoramente, eleito como um presidente médico. Pois é o que, na vida real, todos nós fazemos, se podemos pagar pelo melhor médico, não importando se o mesmo careça de carisma ou simpatia.
Bom argumento. A premissa republicana é correta, professor, acho que só precisa se tomar cuidado com a dose — que, como diz o clichê, é a diferença entre o veneno e o remédio. Abs!
….que o diga a administração bush
Estou chegando a acreditar que por detrás dos republicanos tem mesmo gente sem noção, tipo o pessoal do “Tea Party” e os fanáticos do “deep south”. Em matéria de política externa então, parece que Romney vai se cercar de vários “neocons” de tempo de Bush, que, pensando bem já era meio sem noção.
Mas a matéria está muito boa. Abs!
Pois é, Eduardo, o Romney tem contatado Bushnianos (como a Condi Rice). Mas devo dizer que olhando em retrospecto, eu não chamaria o Bush de sem noção para política doméstica — ele tinha mais sensibilidade do que a atual plataforma dos republicanos. O Tea Party precisa de uma proposta, que não pode simplesmente dizer não a qualquer custo. Abs.
Luciana, parabéns pelo texto. Estou morando aqui nos EUA e fiquei de boca aberta com o nível – baixo – da campanha. Um acusa o outro, ninguém propõe nada. Parece até um país que eu conheço…
Não é mesmo, Sandra? Agora na convenção democrata ao menos apareceram algumas propostas. Mas esss discursos de acusação são uma nojeira. Também estou chocada, parece o swiftboat do Kerry em 2004. Só que agora é dos dois lados. Abs!
É claro que os candidatos do país + rico, com um ótimo IDH e medalhista campeão são dois cabeças ocas que pensam que a
capital do Brasil é Buenos Aires.
Luciana, ótimo texto. Me abriu a mente.
ps:Inteligência é coisa do Castro, dos Xing Lings e dos bolivaristas.
Haha, obrigada, Tamar. Abs.
A convenção democrata foi mais alegre do que a republicana, usaram muito bem o marketing de shows, nos quais os americanos são mestres, os oradores foram melhores que os sonolentos republicanos, e depois destas duas convenções, o pessoal do Tea Party vai ter que ralar muito para levar alguma coisa em 2016. Do lado democrata, já li artigos falando em Hilary Clinton. A próxima eleição tem tudo para ser mais excitante do que esta, que ficou devendo muito
Otávio, concordo (embora eu não ache que a Ann Romney, o Paul Ryan e o Marco Rubio tenham sido sonolentos). Mas a sensação que fica é mesmo muito diferente. Abs.
Luciana,
muito bem escrito. parabéns.
🙂 obrigada, Marcio. Abs!