Joe & Paul
12/10/12 12:47WASHINGTON – Uma coisa incrível aconteceu na noite de quinta-feira no Kentucky: um debate com substância entre os candidatos a vice-presidente dos EUA. Em tempos de mensagem ensaiada e frases de power point, isso soa tão fantástico quanto o pouso de um disco voador.
Não vou me estender sobre quem ganhou o debate. As pesquisas se dividiram, com um empate técnico com Ryan à frente na CNN, e Biden vencendo entre uma amostragem de eleitores indecisos na CBS. Nada para soltar fogos de nenhum lado.
Acho que o vice-presidente democrata deu respostas melhores e com mais estofo do que o deputado republicano, mas perdeu muitos, muitos pontos com aquelas gargalhadas fora de hora (sério, o que era aquilo? Alguém fez o antidoping depois do confronto?).
Ryan também mostrou segurança e deixou claro que não é nenhum moleque como o oponente tentou pintá-lo, mas, ao contrário de Biden, estava frio até para falar de coisas pessoais. E se perdeu onde não podia se perder, na resposta sobre impostos (o público monitorado pela CNN gostou mais do democrata aí).
No saldo, não me parece que haverá grande mudança nas pesquisas de intenção de voto.
O que me chamou a atenção, porém, foi o contraste entre os dois vices e os titulares de sua chapa. E o debate de quinta foi muito melhor.
Barack Obama e Mitt Romney são mais preparados do que Biden e Ryan, ou ao menos assim pensam seus partidos. Talvez pelo excesso de ensaios, porém, os dois preferiram as evasivas e os ataques aos detalhes de sua plataforma. O primeiro debate presidencial não revelou nada de substancial sobre os planos de cada um.
Biden e Ryan, pelo contrário, pareciam à vontade. E pareciam ter lido o livro todo, não só o resumo para o vestibular. Talvez porque esse fosse o único debate entre os dois. Talvez porque fosse a chance que tinham para mostrar em rede nacional aos eleitores independentes, no caso de Biden, que não é só uma máquina de gafes, e, no de Ryan, que não é imaturo nem tão radical. Talvez tenha sido a competência impressionante da mediadora Martha Raddatz, da rede ABC, que não deixou nenhum dos dois fugir das respostas.
Fato é que os vices parecem ter assimilado muito melhor o conteúdo das plataformas.
Incrível que isso tenha vindo de dois populistas (Biden à esquerda de Obama, e Ryan à direita de Romney). Entre as não poucas coincidências que os dois dividem, está o fato de virem de cidades com grande população operária — o democrata é de Scranton, na Pensilvânia, e o republicano de Janesville, em Wisconsin.
São católicos devotos, que começaram a trabalhar muito cedo — muito mais cedo do que os titulares de suas chapas — e se elegeram antes de completarem a terceira década de vida. Presidiram comissões respeitadas no Congresso (Biden a de relações exteriores no Senado; Ryan a de Orçamento na Câmara). E ambos têm pendor pelas promessas grandiosas.
Mais importante, é fácil enxergá-los como dois americanos médios, e empatizar com aquele entre os dois que afine melhor com a sua orientação política.
Obama e Romney, por sua vez, têm experiências de vida esdrúxulas à média da população; Obama com sua vivência multicultural e sua ancestralidade africana, Romney egresso de uma casta política e econômica elevada e devotado a uma religião que enfrenta preconceito. Os dois estudaram em Harvard, os dois foram treinados para ser vencedores, e os dois têm dificuldade para mostrar calor humano.
Debater não é governar, verdade, e o populismo bidenista e ryanista às vezes cansa. Mas os sujeitos formados pelo palanque fizeram um debate com muito mais conteúdo e apelo do que aqueles que aprenderam oratória na melhor (ou uma das melhores) faculdade do planeta e poliram sua retórica com marqueteiros.
Para o debate da semana que vem, sugiro a Barack e Mitt trocar um dedinho de prosa com Joe e Paul.
Cara Luciana, Biden interrompeu Ryan 82 vezes, não o deixando terminar o seu pensamento! Diferente de você, penso que isso prova a ineficiência de Martha Raddatz como mediadora que, no mínimo, na 3ª intervenção, deveria ter admoestado Biden. Há pesquisas que dizem que ele fez Obama perder apoio entre os independentes.
Sim, eu acho que ele foi grosseiro. Mas para mim é um problema dele, não da mediadora. Abs.
O termo “mediador”, no seu conceito etimológico, também significa “administrar exposição de argumentos dos contendores, objetivando a sua igualdade de tempo”.
Cara Luciana,
A diferença entre Joe Biden e Paul Ryan pode ser vista na postura simples de um e na arrogância do outro. Biden desde que se tornou senador por Delawere jamais usou carro pra chegar até o senado, e olha que foram mais de trinta anos. O senador pegava o trem todas as manhãs para ir trabalhar. Ryan, assim como Romney, é filhinho de papai e só pensa em diminuir os impostos para os ricos. Se quer dar um tom mais leve e sem preocupações históricas ao seu blog é seu direito, só não pense que somente quem mora no Brasil te acompanha. Biden não apenas venceu como humilhou Ryan com as duas cartas recebidas do deputado pedindo dinheiro para seu distrito. Acho que vc pode melhorar, seu texto está deixando muito a desejar.
Luiz, obrigada pela leitura, e, sim, sempre poderei melhorar. Mas não acho que o jeito de melhorar seja tomar partido. Não cabe a mim dar a vitória a um ou a outro. Se você acha que o Biden foi melhor, ótimo, sinta-se à vontade´para manifestar sua opinião. Muitos eleitores e leitores concordam com você — como disse, na pesquisa da CBS ele bateu por 51 a 30, com um pequeno grupo de indecisos. Mas nem todas as pesquisas deram esse resultado. Também acho bacana o fato de o Biden ter passado a vida indo e voltando de trem para o Congresso, mas isso não faz o Ryan automaticamente um “filhinho de papai”. Você pode achar as ideias dele — e sobre querer baixar imposto para ricos eu concordo com vc — um problema, mas o sujeito perdeu o pai aos 16 e desde então trabalha. Não misturemos as coisas.
O post era apenas sobre conteúdo do debate, e não sobre a vida de cada um. Sobre isso, já escrevi extensivamente no jornal, tendo inclusive entrevistado o professor-mentor do Ryan. O blog é mais para os leitores debaterem, não para eu fazer proselitismo. Sobre dever contexto histórico, talvez você goste mais de um material que eu vou publicar amanhã, te convido a voltar aqui no final do dia. Abs.
Como conservador e republicano, digo que os argumentos de Biden foram mais persuasivos do que os de Ryan, mas a risonha soberba de Biden acabou conspurcando a avaliação de seus bons argumentos. Prova disso é que se fala mais de suas risadas do que o que foi por ele dito.
Eu também acho que as respostas do Biden foram muito melhores, professor (aliás, acho que escrevi isso). Mas ele não podia ter rido o tempo todo. Se fosse uma, duas vezes, ok, mas não o tempo todo. As risadas do Biden foram meio um “big bird” do segundo debate — o factoide. Abs.
Caro Luiz Castro,
Todo o dinheiro que Joe Biden economizou viajando de trem nesse anos todos a família Obama gastou 200 vezes mais inutilmente começando pela a posse da Presidência e as viagens de Michelle Obama e família para a Europa e nos próprio EUA.
Se o Biden não interrompesse tanto a explicação de Paul Ryan e Biden tivesse material para debater o debate seria melhor.
Tanto Biden como Obama estavam sem qualquer preparo, porque NADA FIZERAM de útil em 4 anos de governo. “You cannot make chicken salada with chicken crap”
Luciana,
Na verdade, as duas campanhas não estão propriamente “mentindo”, mas sim omitindo informações. Romney/Ryan têm argumentado que é possível reduzir os impostos “across the board” em 20 % e compensar ese corte com eliminação de deduções/isenções e aumento de arrecadação proveniente do crescimento mais rápido da economia. Provavelmente entretanto, o que vai acontecer na verdade é que, se quiserem se manter “deficit neutral”, Romney/Ryan terão adicionalmente que propor grandes cortes de despesas que são impopulares e, portanto, são omitidos na campanha.
Obama/Biden por sua vez são ainda piores que Romney/Ryan na sua “falta de sinceridade” porque vendem a ideia de que vão equilibrar o orçamento apenas aumentando os impostos “dos 1 % mais ricos” ou dos “multimilionários” o que não só é falso (porque, como Ryan disse, a quantia extra arrecadada é irrisória comparada ao tamanho do déficit), mas também porque aumentos exagerados de impostos em uma época de recessão, especialmente aumentos que afetarão não só pessoas físicas, mas também pequenos negócios, são má política econômica. O resultado líquido da estratégia de “conto de fadas” de Obama/Biden em relação ao déficit é que, na realidade, ele continuará a crescer, como aconteceu nos 4 anos do governo Obama. E o mais incoerente de tudo é que o mesmo Obama que agora quer que os cortes de imposto da era Bush expirem defendeu e propôs no fim de 2010, quando ainda tinha maioria no Congresso, a extensão desses mesmos cortes alegando que “não se deve aumentar impostos no meio de uma recessão”.
Oi, vamos lá: também acho que ambos os lados douram a pílula. O problema do lado democrata não é que eles estejam prometendo controlar o deficit só subindo os impostos dos mais ricos — eles não estão. O problema é que eles estão há 4 anos aí e o déficit só aumento, ainda que uma parte da conta venha do espólio do Bush, do bail-out, da guerra. Dava para ter feito melhor, certamente. A questão, para mim, é acreditar neles ou não. Se eles não arrumaram a casa até agora, vão arrumar nos próximos anos? Sobre a conta em si, eles propõem cortes na Defesa, expiração das isenções dos anos Bush — e, sim, Obama errou em tê-las mantido. Mas agora é salutar não renovar um auxílio aos mais ricos que não se mostrou produtivo. Sobre a conta republicana: ela não fecha. Não tem como zerar o déficit sem mexer em impostos, e esse é o grande problema dos republicanos agora. Eles fizeram todos esses pledges irracionais e estão de mãos atadas. Na Defesa, que é um dos principais gastos, eles não vão cortar — pelo contrário. Disseram que no Medicare no Social Security também não se mexe (e congressista nenhum vai passar isso, sob pena de perder voto). E aí, como fechar a conta? É claro que as visões dos dois partidos são diferentes sob tributação, mas não tem cabimento essa inflexibilidade. O Reagan, que é o grande ídolo conservador moderno, aumentou impostos quando precisou. Abs.
Ola Luciana,
Ao meu ver o vice presidente Joe Biden encurralou o congressista Paul Ryan num canto como se este ultimo fosse um ratinho querendo escapar das garras do gato.
Discordo do que voce disse sobre Joe Biden dando gargalhadas. Ele me passou a imagem de alguem que nao conseguia conter-se ouvindo as propostas mirabolantes do seu adversario, como por exemplo : terminar com o “Obamacare”, nao cobrar mais impostos das classes altas, e alinhacer-se com Israel incondicionalmente. Alias, na area de politica externa ele e o Mitt Romney fariam exatamente o que esta administracao esta fazendo no momento.
Com toda certeza o debate de ontem foi bem mais intenso e melhor debatido do que o da semana passada entre Barack Obama e Mitt Romney. Este debate serviu tambem para mostra que Joe Baiden tem um extraordinario comando das polticas de Washington. Se por um lado os republicanos ficaram decepcionados porque o vice presidente nao cometeu nenhuma das suas famosas gafes, por outro os democratas ficaram extremamente felizes pela maneira como o senhor Joe Biden conduziu o debate sem dar espacos ao jovem congressita republicano.
Mitt Romney cetamente diminuiu o espaco entre ele e o presidente depois do primeiro debate, mas ainda assim, acredito que Barack Obama reagira melhor no proximo debate. E como voce bem sabe, os dados economicos estao bem promissores no momento. Isto com certeza ajudara o presidente na sua busca a reeleicao.
Eu concordo com a maior parte da sua análise, Edson, mas acho que o Biden errou a mão com as risadas. Se fosse uma ou duas vezes vá lá, poderia dizer que ele não estava se contendo. Mas o tempo todo? Foi desrespeitoso. Tirou o peso das respostas dele — que foram, de forma geral, com exceção da questão da Líbia, mais substanciosas. Abs.
EDson Cadette: os dados econômicos não estão mais promisores. A queda (marginal) do desemprego em setembro por exemplo se deveu exclusivamente a menos pessoas procurando emprego (i.e. saindo da força de trabalho) e um volume anormalmente alto de empregos temporários. E o número de empregos criados em todo o governo Obama ainda está abaixo do total de empregos perdidos na recessão de 2008/2009 contrariando o padrão normal de uma “recuperação” econômica no qual, no 3o ano pós-recessão, já deveria haver um ganho líquido de empregos.
Em relação ao debate em si, para a minha surpresa, Ryan, que é teoricamente inexperiente em assuntos externos, venceu Biden nos segmentos de política externa especificamente (Líbia, Síria, Afeganistão, etc.) com um pouco de ajuda (que me surpreendeu também !) da moderadora Martha Raddatz. Nos segmentos sobre assuntos domésticos, acho que Ryan foi prejudicado na exposição completa dos seus argumentos pelas constantes interrupções e agressividade de Joe Biden que funcionaram nesse sentido (i.e. de impedir seu oponente de falar), mas, suspeito, será visto negativamente (em estilo) por muitos eleitores, especialmente mulheres (grupo chave para a chapa Obama/Biden).
No final das contas, entretanto, quando a pesquisa instantânea CNN/ORC dá 48 % para o relativamente desconhecido desafiante e 44 % para o atual vice-presidente, devo dizer que a vitória vai para o desafiante, mesmo que a diferença esteja no limite da margem de erro. Como disse David Gergen, não me lembro de muitas ocasiões em que, num debate de VPs, o desafiante terminou a noite numericamente à frente do “incumbent VP” em pesquisas instantâneas pós-debate.
MBruno, um reparo: a queda do desemprego em setembro não se deveu a pessoas saindo da força de trabalho. O número de trabalhadores desalentados diminuiu sensivelmente (é possível ver os dados no Departamento do Trabalho). Mas, sim, de fato houve um grande aumenhto nas contratações temporárias. Então, por um lado você tem razão — a recuperação do Obama não está essa coca-cola toda, mas, por outro, o Edson também tem: a sensação de melhora entre a população é clara, o que fica exp´lícito no número de pessoas que voltou a procurar emprego e na melhora do indice de confiança do consunmidor. No final, essa sensação conta mais do que a melhora de fato na hora de os indecisos votarem.
Também discordo que o Ryan tenha ido melhor em política externa. Ele fez ótimas críticas sobre a questão líbia, e o Biden ficou sem resposta. Mas, sobre o Afeganistão, se embananou todo ao dizer qual era a proposta republicana, e no fim acabou concordando com Biden, sobre a retirada em 2014. Também não conseguiu dizer o que os republicanos fariam sobre o Irã, limitando-se a criticar a política de sanções. Ele faria o que, soltaria uma bomba? Acho que não. Sobre a Síria, a discussão não teve tempo de se aprofundar o bastante para alguém ir muito bem ou muito mal. No saldo, o Ryan foi bem, sim, mas não dá para dizer que as pesquisas o consagraram — na CBS, por exemplo, os indecisos deram uma vitória de 50% a 31% para o Biden (achei esse número bizarro, mesmo que eu ache que o Biden tenha ido melhor em substância, não dá para dizer que ele tenha derrotado o Ryan por uma margem desse porte, ainda mais com aquelas risadas fora de lugar). Vamos esperar as pesquisas nacionais, para ver se elas mexem, porque essas instantâneas não são grandes coisas. Abs.