O mundo e a paróquia
22/10/12 15:52BOCA RATON, FLÓRIDA – É o último debate entre Mitt Romney e Barack Obama, faltando apenas 15 dias para a eleição, e quase todas as pesquisas estão empatadas tecnicamente (o Gallup põe Romney à frente).
Mas ao contrário dos confrontos em Denver (quando Romney acabou com a vantagem de Obama nas pesquisas e assumiu a posição de quem está em alta), e Hempstead (no qual Obama estancou o sprint do republicano sem contudo revertê-lo), é altamente improvável que o debate de hoje sacuda as pesquisas.
Segundo aferiu o Gallup em setembro, apenas 1% do eleitorado consideram a política externa uma prioridade — ou melhor, o terrorismo e as ameaças de segurança, porque outras questões internacionais nem sequer pontuam. Uma ressaca após a década do 11 de Setembro, na qual o tema piscava como um alerta constante na cabeça do público.
Outra coisa que reduz o efeito do debate é que os dois candidatos tem agendas mais parecidas do que gostam de admitir. Romney adora critica Obama sobre o Irã ao mesmo tempo que promete aplicar sanções rígidas sobre Teerã — exatamente o que o democrata faz, com algum efeito. A diferença ficaria no campo hipotético: caso Israel decida atacar o Irã, é mais provável que o republicano mostre entusiasmo no primeiro momento, embora seja difícil acreditar que o democrata não tome partido israelense.
China? Romney afirma que não permitirá que Pequim manipule sua moeda e seja desleal no cenário comercial. Obama abriu mais de uma dúzia de processos contra os chineses na Organização Mundial do Comércio. Síria? Romney critica a passividade de Obama, mas não chega a defender uma intervenção direta nem explica o que fazer de diferente. América Latina? É vista como mercado e parceiro comercial por ambos, que se preocupam também com a crescente ameaça do narcotráfico mexicano (Cuba e Venezuela são apostos retóricos em ambas as plataformas).
Romney, claro, pode atacar Obama pela desastrada reação ao assassinato do embaixador americana Chris Stevens na Líbia. Mas o caso já foi tão repisado, e Romney foi tão mal em articular a acusação no debate anterior, mesmo tendo vários elementos para isso, que é difícil esperar que esse embate mude a opinião de algum eleitor.
A verdade é que, diferentemente da economia e de outros temas domésticos, em política externa Romney tem um espaço muito limitado para criticar Obama pelo que ele prometeu e não cumpriu (fechar Guantánamo?) ou pelo que decepcionou parte de eleitores (matar Osama bin Laden extrajudicialmente, encher a fronteira do Afeganistão e do Paquistão de drones que matam civis). Afinal, são políticas defendidas no campo republicano.
A tão válida discussão do “estamos melhores do que há quatro anos?” em temas domésticos termina com um lacônico “sim” no campo internacional. Bin Laden não está mais lá, o ataque na Líbia foi o único a um alvo americano nos últimos anos, o Irã não está domado mas sente o peso das sanções em uma moeda cujo valor despenca, a Guerra do Iraque acabou e a do Afeganistão está perto de (sabe-se lá para qual legado).
A imagem americana, embora não ande uma maravilha, é melhor do que era sob George W. Bush.
Mas nada disso também é revolucionário para alavancar o presidente a essa altura.
Por isso, a expectativa (a minha) é que o cenário em 6 de novembro esteja tão embolado como agora, independentemente do último debate. O que vai valer, no fim, é a campanha porta a porta nos Estados pêndulos, os comerciais nas TVs regionais, as visitas de cada candidato a esses locais-chave (e as agendas já estão coalhadas delas). E a multiplicação das ferramentas de comunicação levou a campanha para uma microescala surrealista.
Sim, porque o sistema eleitoral americano é bizarro, sem votação direta — o presidente é escolhido por um Colégio Eleitoral formado por grupos de representantes de cada Estado, que variam em tamanho conforme o peso da população local e votam em bloco no nome que seu eleitorado escolheu. E o voto não é obrigatório, o que acrescenta para as campanhas o desafio extra de motivar sua própria base.
Diante disso, e do cenário mais embolado desde 2000, o próximo presidente dos EUA não precisa de uma grande plataforma (coisa que nem Barack Obama nem Mitt Romney, aliás, têm). O que ele precisa é da capacidade de conjugar centenas de microcampanhas locais, com sotaques, prioridades e decibeis distintos o suficiente para que cada eleitor acredite que sua necessidade “de bairro” será levada em conta.
Luciana:
Em um debate sobre política externa, o atual presidente dos Estados Unidos sempre leva vantagem sobre o desafiante, principalmente quando o desafiante é um governador com pouca experiência na área. Entretanto, Romney se saiu relativamente bem e até melhor do que eu esperava.
No primeiro debate, Romney tinha que mostrar que não era a caricatura de Gordon Gekko dos comerciais de TV democratas e que era o mais capacitado entre os candidatos para gerir a economia. No debate de ontem sobre política externa, o objetivo principal de Romney era outro: convencer os americanos de que ele pode ser seu “commander in chief”. E, nesse quesito, segundo a pequisa instântanea da CNN/ORC, 60 % dos que viram o debate concordam que ele está preparado para essa função. Romney conseguiu mostrar também que ele não é George W Bush e não vai começar novas guerras desnecessárias nem bombardear a Síria ou o Irã.
Em resumo, Romney agora tem vantagem em questões econômicas e empregos (conseguida no 1o debate) e removeu no 3o debate a dúvida do eleitorado de que ele seria uma “alternativa perigosa” em política externa. Parece-me que não sobra mais nada pra justificar a reeleição de Obama a não ser “guerra às mulheres”e outros factoides democratas.
Oi, Marcelo, concordo que ele não se mostrou ameaçador em política externa. Mas ele não foi tão bem em termos de substância. O mais bizarro, acho eu, é que ele se diferenciou de Bush mas não de Obama. Dizer que vai “ser melhor” não conta, se ele não dsser como. Agora, isso não vai mudar nada mesmo na história da eleição, seria preciso um desempenho desastroso de um dos dois para esse debate ter peso, o que não ocorreu.
Sobre a guerra às mulheres, tirando o nome apelativo meio ridículo, não acho que seja factoide. A política do Romney para a saúde feminina de fato é pior. Ao menos, do ponto de vista feminino. Abs.
Marcelo, concordo que Romney mostrou que não é perigoso. Mas acho que ele não foi tão bem assim no debate não — certamente, para ele, foi o pior dos três. Isso posto, duvido que as pesquisas mudem por causa do debate. Seria necessário uma performance desastrosa de um dos dois para afetar o eleitorado, desinteressado de política externa. E isso não aconteceu. Sobre a guerra às mulheres, tirando esse nome apelativo, eu não considero um factoide. A coisa dos fichários é factoide, mas a política do Romney para a saúde feminina é pior que a do Obama. Não acho que seja “perseguição”, como alguns comentaristas acusam, mas falta de se aprofundar no problema. Abs.