DE NOVA YORK – O republicano Mitt Romney, considerado engessado e pouco carismático, quem diria, é o candidato mais popular no Facebook. A sua página recebeu 1.525.479 cliques na opção “curtir”.
A mulher de Romney, Ann, começou perfil em outra rede social, Pinterest, onde publica fotos e divulga interesses. Ela posta dicas de livros (entre eles Anna Karenina e o Jardim Secreto de Eliza, de Kate Morton), pratos culinários e imagens da família e da campanha.
O segundo candidato mais popular no Facebook é Ron Paul, com 905.291 cliques em “curtir”. O conservador obtém boa votação entre jovens americanos, pessoas de baixa renda e militares.
Newt Gingrich tem 295.380 curtir e Rick Santorum, 174.770.
No Twitter, porém, Gingrich é o republicano com mais seguidores. O “marido, pai, avô, cidadão, pequeno empresário, autor e ex-presidente da Câmara” (essa é biografia na rede) tem 1,4 milhão de seguidores. Romney tem 374 mil.
WASHINGTON – Estreou na noite de ontem no canal a cabo HBO, aqui nos EUA, “Game Change” _o filme inspirado no livro dos jornalistas Mark Halperin, da revista “Time”, e John Heilemann, da “New York”, sobre a campanha presidencial de 2008. É uma bomba para quem gosta e não gosta de Sarah Palin.
Enquanto a obra dos jornalistas (lançada no Brasil pela Editora Intrínseca no fim do ano passado, sob o título “Virada do Jogo”) faz um apanhado minucioso dos dois lados da campanha, com altos e baixos vividos por democratas e republicanas, o filme do diretor Jay Roach, ainda sem estreia prevista no Brasil, foca apenas no lado republicano. Especificamente, em Palin.
MAIS especificamente, em culpar Palin sozinha pelo naufrágio da campanha de John McCain.
Roach traz no currículo as divertidas cinesséries “Entrando numa Fria” e “Austin Powers”. Mas “Game Change” não tem graça nenhuma. É um filme sobre uma mulher despreparada, sob extrema pressão, tentando cumprir o papel de candidata à vice-Presidência dos EUA e com a missão extra de salvar uma campanha ofuscada pelo “star power” de Barack Obama (nas palavras dos republicanos). Seria ótimo, se não fosse tão parcial.
“Ele é uma celebridade. Precisamos de uma celebridade para nossa chapa. E precisamos fechar o deficit com o voto feminino”, diz o estrategista Steve Schimidt, encarnado por Woody Harrelson (“Assassinos por Natureza”), a certa altura. E aí vem Palin.
Julianne Moore está impressionante no papel da ex-governadora do Alasca, emulando os trejeitos e cacoetes que fizeram de Palin ao mesmo tempo a musa do movimento conservador e o alvo de chacotas do lado progressista. Se restam dúvidas de como ela atingiu o duplo status, o filme de Roach é hábil em demonstrar.
Carismática, empática com o eleitorado e verdadeira (ela é aquilo que você está vendo, goste ou não), Palin arrebatou o público do miolão americano, a tal da “Small City, America”, que ela tanto gosta de citar, com a imagem de “gente como a gente”.
A beleza também ajudou, é verdade, mas a empatia de Palin, a identificação dela com o público, são qualidades raras – e Moore, uma das melhores atrizes de sua geração (“Magnólia”, “Minhas Mães e Meu Pai” etc) canalizou perfeitamente essa frequência emitida pela candidata.
Por outro lado (desculpem, fãs de Palin, mas é fato), trata-se de alguém totalmente despreparada para o cargo _ao menos, em 2008.
É verdade que a frase célebre que muita gente atribui à ex-governadora (“posso ver a Rússia lá da minha casa”, ao ser indagada sobre suas credenciais em política externa) não foi dita por ela, mas pela comediante Tina Fey, em sua genial recriação de Palin como personagem.
Mas a Palin real não passou muito longe disso. Reassistir sua entrevista a Kate Couric, aquela onde ela dá respostas sem sentido algum, é excruciante. A cena foi montada em cima do arquivo real, o que torna tudo mais realista.
Revela-se ainda que o desconhecimento sobre a Rússia não é nem a pior falha de conhecimento de Palin. Segundo o filme (e o livro), ela não sabia que a Coreia do Norte e a Coreia do Sul eram países diferentes; desconhecia o fato de a Inglaterra ter um primeiro-ministro e ser ele, não a rainha, quem manda no país e – pior – não fazia ideia do que era o Federal Reserve, o banco central dos EUA.
Imagine um candidato a vice-presidente, que pode vir a ser presidente, não saber o que é o Banco Central de seu país. Como faz?
Sim, a Palin de Halperin, Heilemann, Roach e Moore é uma ignorante completa. Mas é inteligente e sabe como se comunicar.
Halperin, a quem eu entrevistei na ocasião do lançamento do livro no Brasil, diz ter feito um longo trabalho de entrevistas com todos os envolvidos para montar os diálogos, o que me faz crer que as cenas ali contidas são reais, para o bem e para o mal.
O PAC (comitê de ação política) de Palin, porém, já protesta e diz que o filme é aviltante, uma distorção da imagem da política. Na semana passada, estavam distribuindo panfletos aqui em Washington para *alertar* o público.
A questão, acho eu, nem é o fato de retratar Palin como despreparada (ela era). Mas culpá-la sozinha pelo naufrágio da campanha, sendo que a campanha já ia mal antes de sua entrada, que as chances de o Partido Republicano eleger o sucessor de George W. Bush sempre foram pequenas. (O diretor também não tem muito respeito com John McCain _em uma interpretação apenas ok de Ed Harris _ o senador é retratado como alguém acima do bem e do mal, meio bocó até.)
Ok, Roach mostra a pressão a que Palin foi submetida, dura para qualquer um. Em dado momento, após a então governadora dar sinais de estafa mental após tanto estudo e cobrança, Schmidt pede uma avaliação disfarçada de um psiquiatra. O médico diz que para alguém que tem um bebê com síndrome de Down, uma filha adolescente grávida e solteira e está concorrendo á vice-Presidência, ela está ótima.
Mas, em mais de uma cena, Roach culpa Palin por não ter se preparado, feito a “lição de casa”. Na verdade, a mim, assustou mais as cenas de assessores desesperados tentando ensiná-la, e ela saindo da sala, ou se recusando a responder, do que o fato em si de ela não saber nada sobre o resto do mundo.
De qualquer forma, é bom que se leve em conta que o que rege o filme é a visão de Schmidt, que se tornou desafeto declarado da ex-governadora. Tendo isso em conta, torna-se interessante assistir para se ter ideia dos percalços de uma campanha política. Se o espectador conseguir desapaixonar sua visão de Palin e observar as nuances, sem achá-la uma política fantástica ou uma completa imbecil, tanto melhor.
Há de se apreciar, porém, a dose de ironia que o diretor reservou para o final, quando mostra os estrategistas de McCain, após terem de dissuadir a candidata de fazer o discurso de admissão da derrota normalmente feito pelo titular da chapa. “Amanhã, todos se esquecerão dessa mulher”, dizem. Em volta, a plateia grita seu nome, entusiasticamente, como se fosse ela que tivesse ganho.
WASHINGTON – A campanha de Mitt Romney anunciou que arrecadou US$ 11,5 milhões em fevereiro, contra US$ 6,2 milhões em janeiro. No mesmo período, Rick Santorum recebeu US$ 9 milhões, o dobro do mês anterior.
Não vi nada, ainda, sobre Newt Gingrich e Ron Paul _mas Gingrich tem o milionário dos cassinos Sheldon Adelson oferecendo o cofre, e Paul, uma bem estruturada rede de simpatizantes felizes em contribuir para sua campanha.
Reflexos do vai e vem da corrida pela candidatura republicana. Santorum pode ter encostado em Romney neste mês, mas, somando o que ambos levantaram desde o início, o ex-governador de Massachusetts somou US$ 74,2 milhões e o ex-senador da Pensilvânia, US$ 15,7 milhões _pouco mais do que 1/5 do que tem o rival.
De qualquer forma, o ponto é que, diferente do que ocorreu com outros pré-candidatos, como Tim Pawlenty e Michele Bachmann, parece que nenhum dos aspirantes no páreo vai, a esta altura, desistir por falta de caixa.
Nem teria porque, aliás. Esta é a primeira eleição presidencial com a participação de “superPACs”. São grupos quase sempre formados por ex-assessores dos políticos (advogados, tesoureiros, estrategistas) mas que não mantêm vínculo oficial formal com suas campanhas.
Por isso, conseguem, graças a uma decisão de 2010 da Suprema Corte, contornar a legislação eleitoral que impõe limites às doações de indivíduos e grupos e que exige transparência nos dados.
Estimativas feitas pelo Center for Responsive Poltics, um centro de estudos de linha independente aqui em Washington que conta com financiamento do milionário George Soros, apontam que superPACs ligados a Romney despejaram US$ 27,24 em peças publicitárias na TV e no rádio e em eventos desde janeiro (não há dado de quanto eles arrecadaram).
Grupos do tipo ligados a Santorum gastaram US$ 4,61 milhões. O segundo colocado, em apoio de superPACs, é na verdade Gingrich, com US$ 16,5 milhões, e Ron Paul vem atrás, com US$ 3,5 milhões.
(Obama também tem os seus, mas até agora eles gastaram pouco, reservando somas mais polpudas para quando a campanha presidencial avançar de fato.)
Então, quando vemos Romney virar o jogo em Estados como a Flórida, contra Gingrich, e Ohio, contra Santorum, as coisas não são bem por acaso. Os superPAC ligados a Romney e sua própria campanha estão bancando anúncios contra o rival (como este aí embaixo, obra da campanha oficial).
A questão é quanta diferença a publicidade de Romney fará quando o jogo for contra Obama.
O democrata joga pesado em propaganda (embora em 2008 a campanha não tenha chegado ao baixo nível em que está agora, de nenhum dos lados). E acumulou no cofre, até o fim de janeiro, US$ 136,8 milhões.
Algo interessante de se notar: tanto o democrata quanto Santorum, Gingrich e Paul levantaram cerca de metade de seu caixa com pequenas doações. Já no caso de Romney, 90% de seu financiamento vem de grandes doadores.
DE ATLANTA (GEÓRGIA) – “Este é o sul profundo”, disse-me o taxista em Atlanta quando pergunto o que são as placas pela rua dizendo “sim ao álcool aos domingos”. Ele me explica: hoje a população de alguns condados da Geórgia votaria para decidir se os moradores poderão ou não comprar bebidas alcoólicas nesse dia.
Atualmente, supermercados, restaurantes e lojas especializadas em bebidas só podem vendê-las aos clientes nos outros seis dias da semana.
“Se as pessoas de Bainbridge querem tomar uma cerveja e comer asa de frango enquanto assistem aos jogos na TV, elas não podem. Elas têm que dirigir 30 minutos [até o condado ao lado] para isso”, disse o gerente Chuck Reeves, do restaurante Beef ‘O’ Brady’s, à rede NBC.
Se aprovada pelos eleitores, a venda de bebidas alcoólicas aos domingos nos municípios onde ainda é proibida passará a ocorrer em abril. Em novembro do ano passado, moradores haviam aprovado a venda aos domingos em 110 cidades _em Atlanta, o “sim” teve 80% dos votos.
Segundo a Associação de Lojas de Conveniência da Geórgia, nos EUA, além da Geórgia, Indiana e Connecticut têm restrições à comercialização desses produtos aos domingos.
Charge publicada pela controversa e ultraconservadora Associação Nacional dos Republicanos Negros, que tanta angariar apoio dos afro-americanos
DE ATLANTA (GEÓRGIA) – A Folhapublicou hoje que alguns representantes da comunidade negra americana estão tentando atrair o voto dos afro-americanos, que tendem a escolher os democratas. É o caso da controversa Associação Nacional dos Republicanos Negros, que publicou a charge acima, e de líderes religiosos.
O comparecimento dos negros às prévias republicanas tem sido baixo até agora. Na Carolina do Sul, que votou em janeiro, 27,9% da população é negra, mas só 1% dos eleitores republicanos no Estado tinham essa cor de pele, segundo pesquisa da CNN. Em Michigan, 2% dos eleitores republicanos eram negros _eles representam 14,2% dos habitantes do Estado e 82,7% dos moradores de Detroit.
Votam entre hoje e semana que vem territórios sulistas com grande população negra, como a Geórgia e o Alabama.
A base eleitoral dos republicanos é essencialmente branca, conservadora e religiosa, segundo o instituto Gallup. Já os democratas ganharam mais simpatizantes negros depois da eleição do presidente Barack Obama.
O carro de Jorjana, eleitora de Rick Santorum, em Cincinnati, na zona mais conservadora de Ohio: "É um Toyota porque as montadoras americanas receberam injeção de dinheiro do governo", diz a ativista
COLUMBUS, OHIO – Finalmente, a Superterça. O grande dia. A data mais esperada para definir as prévias partidárias. Quando o eleitorado se anima com a multiplicidade de Estados votando e corre para as urnas.
Neste ano, nem tanto. São dez e meio os Estados votando _Wyoming inicia um demorado processo de “caucus”, as assembleias eleitorais. Metade dos 21 que participaram da Superterça republicana em 2008. O eleitor anda desanimado. As pesquisas estão voláteis. Nada indica que haverá uma definição hoje.
Mitt Romney continua sendo o favorito, e assim deve se manter depois da Superterça. Rick Santorum segue sendo seu principal adversário dentro do partido, e nada deve mudar. Gingrich continua com alguma força e muito gogó entre o eleitorado sulista _e os superdoadores_ para lhe permitir continuar na corrida.
E Ron Paul… o deputado é um caso à parte, bem financiado, com um apoio capilarizado entre os jovens e, ultimamente, uma aparente aproximação de Romney. Paul quer fazer ecoar seu discurso de Estado mínimo e liberdades individuais máximas, e tem conseguido. Enquanto houver caixa _e ainda há_, não há porque ele desistir.
Ou seja, tudo sairá igualzinho da Superterça? Mais ou menos.
Os analistas e os eleitores aguardam ansiosos pelo resultado aqui em Ohio. É um “microcosmo” dos EUA, onde se você fatiar o eleitorado se sairá com um grupo muito semelhante à essência do país. As condições econômicas também andam bem parecidas com as nacionais. E Ohio é um Estado-pêndulo, daqueles que ora votam em republicanos, ora votam para democratas (atual governador: republicano; última eleição presidencial: Obama; em 2004: Bush).
Vejamos. Se Romney perder, ficará ainda mais exposta a tibieza de sua campanha no meião do país. O empresário vai muito bem nas costas, com o eleitorado mais moderado e os mais ricos, mas ainda encontra dificuldade em se fazer ouvir no meio do país. Para Santorum, perder aqui pode ser um papelão bem mais comprometedor, já que há uma semana ele tinha quase nove pontos de vantagem. Agora está tudo empatado.
Se eu tiver de fazer uma aposta, diria que Romney ganha aqui. Isso porque ele ganhou gás nos últimos dias, e, com tantos indecisos no Estado, a tendência é sempre que a maioria opte por quem está em alta, não em baixa. A ver.
Nos outros Estados, as coisas estão meio divididas. Gingrich deve levar a Geórgia, Estado que representou no Congresso por duas décadas. Santorum deve levar Oklahoma, outro grande Estado do Sul, e tem ótimas chances no Tennessee. Romney certamente fica com Massachusetts, que governou, e a Virgínia, onde concorre sozinho com Ron Paul (todos os demais candidatos perderam o prazo da inscrição, em mais um episódio quixotesco destas primárias). Pode se dar bem também no liberal e pequenino Vermont. E Paul tem boa chance de ganhar um ou dois dos Estados que fazem caucus _Idaho, Dakota do Norte e Alasca.
Com isso, Romney pode chegar a algo em torno de 400 dos 1.144 delegados _os representantes estaduais acumulados durante as prévias e que são quem de fato elege o candidato, na convenção partidária em agosto. É pouco matematicamente, mas é bem mais do que os rivais.
Ainda assim, o fato de ele não ter conseguido conquistar uma maioria clara ou exibir um resultado arrebatador ou abrir uma vantagem mais larga nas pesquisas nacionais mantém vivas as dúvidas sobre sua força em um eventual embate com Obama, sobre sua capacidade de fazer o eleitor sair de casa em um país onde o voto não é obrigatório (sempre há quem vota só porque quer ver Obama fora, mas e o eleitor independente tão caro às vitórias nos EUA?)
Santorum e Gingrich também contam com um elemento novo nesta campanha, os SuperPACs (falei deles aqui).
São grupos normalmente formado por ex-assessores que, por não terem vínculo oficial com partidos e candidatos, passam ao largo da lei eleitoral e podem arrecadar doações muito mais polpudas do que aqueles submetidas ao limite da legislação, entre US$2.500 para indivíduos e US$ 10 mil para grupos. Ou seja, enquanto houver um milionário que acredite neles _como é o caso do dono de cassino Sheldon Adelson, chapa do Gingrich_ e enquanto as pesquisas continuarem emboladas, eles vão continuando.
COLUMBUS, MAS AINDA SOBRE PHOENIX – Betty é gordinha, tem a pele tão morena quanto a minha, os olhos ligeiramente amendoados e o cabelo muito liso. Fala com desenvoltura em seu sotaque californiano misturando cá e lá umas palavras em espanhol.
Era camareira de um grande hotel em Los Angeles, cidade onde nasceu, filha de pai e mãe mexicano. O casal emigrou nos anos 70, “e naquele tempo era duro, mas havia muito mais oportunidade do que agora”, me conta. Trabalharam, pagaram impostos e conseguiram anistia. Hoje, anistia para os estimados 11 milhões de imigrantes sem papeis nos EUA (na conta de um centro de estudos conservador) é uma utopia.
Betty não foi à faculdade, fez apenas o que nos EUA equivale ao nosso supletivo. Quem a ouve falar com tamanha desenvoltura pode, em um primeiro momento, se espantar que seu talento para a oratória em um inglês corretíssimo não tenha sido polido em uma boa faculdade. Mas não foi. Foi o sindicato.
Filha de um açougueiro e de uma faxineira, ela e os irmãos começaram a trabalhar cedo, e aí o estudo formal ficou para trás. Hoje, aos 34, se constrange um pouquinho ao contar que não se formou. “No fim, o que eu aprendi, aprendi aqui. São 12 anos de sindicato”, diz.
Há quatro, ela trocou a progressista Califórnia pelo poeirento _e interessantíssimo_ Arizona, porque o sindicato para o qual trabalha, da chamada indústria da hospitalidade (hoteis, restaurantes etc) queria abrir uma frente em Phoenix, cuja mancha urbana seus habitantes dizem, orgulhosos, ser a sexta maior do país.
Pergunto a Betty se ela se vê como uma mulher em uma missão. O Arizona não tem tradição sindical, como os Estados do norte e a própria Califórnia _onde, vejam só, até um presidente republicano já dirigiu um sindicato (o dos atores, mas e daí?). Foi por muito tempo descartado dos planos das grandes centrais como um lugar onde os imigrantes latinos eram medrosos e desorganizados demais para aderir, e onde o operariado branco era conservador demais para aceitar.
Estamos falando, afinal, de um dos 23 Estados americanos que aderiram ao chamado “direito ao trabalho” _que proíbe os sindicatos de cobrarem qualquer tipo de taxa aos trabalhadores não-sindicalizados. Parece justo, mas as consequências têm sido controversas.
A lei é hoje o principal motor da des-sindicalização dos EUA, um movimento que começou devagar, nos anos 80, e ganhou força na última década. Especialistas independentes que entrevistei nos últimos meses, como Ray Brescia, de Yale, e Alex Keyssar, de Harvard, veem esse desmonte como uma das razões para o aumento da desigualdade nos EUA, registrada recentemente pela OCDE. Sem o poder de negociação coletiva, os direitos que nos EUA já são mínimos foram se erodindo com a crise. E o abismo social foi se alargando.
Foi por isso que Betty achou que valia a pena ir para o Arizona. Seguiu, aliás, o movimento de dezenas de milhares de outros migrantes domésticos que têm deixado a Costa Oeste e Nevada e se mudado para lugares como o Arizona e o Colorado, onde a crise econômica bateu com mais suavidade.
Em seus quatro anos ali, já conseguiu ampliar o alcance do sindicato de um para quatro grandes hoteis, além do pessoal que cuida das refeições nos aviões que pousam no movimentadíssimo aeroporto legal, um “hub” da US Airways. Ela vibra ao dizer que seu trabalho tem focado não só os direitos trabalhistas, mas também a organização dos próprios imigrantes _que, depois que as coisas esquentaram por lá, parecem ter acordado politicamente. “Afinal, todo imigrante já é em essência um lutador”, diz.
É esse ânimo todo que Betty usa para conter o medo. Nos últimos dois anos, até os dois xerifes mais linha-dura da região caírem em desgraça e a caça às bruxas arrefecer (falo disso nesta reportagem aqui, para assinantes da Folha), ela foi parada constantemente em blitzes por conta de sua aparência. Imigrantes sem documentos pegos nessas blitzes, sob a lei local, são tratados como criminosos.
Seu marido é imigrante em situação irregular. Os dois têm um filhinho de um ano, nascido nos EUA, e ela não tem ideia de como as coisas vão ficar. Como tantos que ouvi nesses últimos meses, não bota fé na lei da anistia.
O presidente Barack Obama prometeu e nunca cumpriu, e os republicanos ainda no páreo enrijecem o discurso. Caberá neste ano à Suprema Corte dos EUA, em plena campanha eleitoral, decidir se a lei do Arizona é ou não constitucional.
NOVA YORK – Segue a segunda parte da entrevista com o cientista político Paulo Afonso Velasco Júnior, da FGV e da Universidade Candido Mendes. A primeira parte está no post anterior.
FOLHA – Existe a crença de que republicanos são menos protecionistas, e que isso beneficiaria o Brasil. Entretanto, a sobretaxa ao álcool brasileiro caiu em governo democrata. O sr. acha que essa crença tem se mostrado real?
PAULO AFONSO VELASCO JÚNIOR – Embora possamos reconhecer que o partido democrata tem uma tendência mais protecionista, por conta de sua posição histórica e pela atuação de lobbies ligados às bases de apoio do partido, muitas vezes é mais importante analisar o Estado de origem do congressista para conhecer a sua orientação em matéria comercial. Se vier de Iowa (situado no coração do cinturão do milho), por exemplo, não importa se democrata ou republicano, fatalmente apoiará os subsídios agrícolas e a proteção ao produtor local.
Vale lembrar aliás, que na falta do TPA (Trade Promotion Authoritiy), ou “fast track” [alusão ao mecanismo utilizado pelo governo americano para agilizar a implementação de acordos], as negociações comerciais dependem mais da posição do Congresso do que da postura do executivo. Atualmente, o Congresso americano está bem dividido, com maioria republicana na Câmara de Representantes e maioria democrata no Senado. Foi o Congresso dos EUA que decidiu não prorrogar a sobretaxa sobre o etanol, sem ação direta do executivo democrata. A decisão também foi fortemente influenciada pelo desequilíbrio fiscal no país e pela necessidade de conter gastos, como, por exemplo, os bilionários subsídios aos agricultores americanos.
Como o sr. vê as perspectivas para as relações diplomáticas do Brasil e dos EUA a curto prazo? Deve haver mais aproximação?
Apesar das eventuais divergências em temas da agenda internacional, os Estados Unidos reconhecem um peso crescente do Brasil na cena internacional e isso certamente cria oportunidades para um adensamento do diálogo e das parecerias bilaterais. É verdade, contudo, que a relação com o Brasil ou com a América Latina está longe de ser prioritária para os EUA, como são as relações com a Ásia e, especificamente, China e Índia.
Cabe ao Brasil empenhar-se mais no diálogo com Washington, definindo de forma clara qual é o papel dos EUA na atual agenda da política externa brasileira. Apesar de sua crescente projeção no plano internacional, o Brasil tem uma presença muito limitada na capital norte-americana, estando ausente dos corredores do poder, seja da Casa Branca, seja do Congresso ou dos grupos lobistas. Até mesmo o número de diplomatas brasileiros lotados na embaixada em Washington está muito aquém das necessidades de um relacionamento entre duas potências importantes no mundo contemporâneo.
Dificilmente a visita de Dilma aos EUA no próximo mês de abril conseguirá conquistas significativas para o diálogo bilateral (ainda mais num ano eleitoral), mas pode contribuir para ampliar o interesse da sociedade, dos políticos e dos empresários do país de Obama em relação ao Brasil. Isso já seria um primeiro e decisivo passo para uma verdadeira e consistente aproximação nos próximos anos.
NOVA YORK – Como os americanos votam e como isso influencia o Brasil? Em entrevista ao blog, o cientista político Paulo Afonso Velasco Júnior, professor da Fundação Getulio Vargas e coordenador de Relações Internacionais da Universidade Candido Mendes, interpreta a questão. Como a entrevista é longa, divido em duas partes.
FOLHA – No passado recente, o que mudou nas relações EUA-Brasil com a alternância de presidentes republicanos e democratas?
PAULO AFONSO VELASCO JÚNIOR – É importante, em primeiro lugar, tentar escapar um pouco à lógica exclusivamente partidária para analisar a relação do Brasil com os Estados Unidos. O modo como a Casa Branca enxerga o Brasil e a América Latina depende mais do cenário internacional e dos constrangimentos domésticos e sistêmicos, como a crise financeira, a ameaça do terrorismo, a Primavera Árabe, entre outros.
No início dos anos 90, por exemplo, no governo republicano de George H. Bush, houve empenho num adensamento do diálogo com a América Latina através da Iniciativa para as Américas, contribuindo para uma ampliação do diálogo com o Brasil e com o seu entorno regional.
No governo democrata de Clinton, a estratégia dita liberal hegemônica e a ênfase dada pela Casa Branca ao multilateralismo em distintos temas da agenda internacional, como comércio, meio ambiente e até mesmo segurança internacional, ajudou também no estabelecimento de uma relação de confiança com o Brasil de Fernando Henrique Cardoso, chegando inclusive a haver vínculos pessoais entre os dois presidentes.
No governo republicano de George W Bush, a orientação crescentemente unilateral adotada pelos neoconservadores, dentro de uma perspectiva mais imperial e menos liberal da Casa Branca, principalmente após o 11 de setembro, levou a um maior distanciamento nas relações com o Brasil, ainda no governo FHC, que optou, já naquele momento, por uma estratégia de adensamento das relações com países emergentes como Rússia (visitada pelo presidente pela primeira vez apenas em 2002), Índia e África do Sul (parceiras na questão do licenciamento compulsório de fármacos na OMC em 2001) e China. Sinal desse esfriamento foi o crescente divórcio entre as posições negociadoras dos dois países nas discussões da Alca a partir de 2001.
O segundo governo Bush filho, coincidindo já com o presidente Lula, revelará uma retomada progressiva do apoio ao multilateralismo, num retorno paulatino à lógica liberal hegemônica, principalmente diante dos desafios com a reconstrução do Iraque e, mais ainda, com a gestão da crise financeira no final de seu governo.
Apesar de o Brasil ter continuado numa estratégia clara de diversificação de parcerias e de consolidação de alianças sul-sul, a relação com os Estados Unidos revelou durante boa parte do governo Lula um grau elevado de confiança mútua e maturidade, marcado inclusive por intensa troca de visitas de altas autoridades.
Curiosamente, com o governo democrata de Obama, supostamente mais afinado com os princípios e práticas apoiados pela diplomacia brasileira, a relação bilateral viveu alguns momentos de relativa tensão, com notáveis assimetrias de posicionamento em foros internacionais, como nas questões relativas ao programa nuclear iraniano no governo Lula e ao uso da força na Líbia já no governo Dilma.
A principal mudança percebida no contexto das relações bilaterais nos últimos 20 anos reside na crescente projeção do Brasil e no enfraquecimento relativo da posição dos Estados Unidos no mundo. Isso, sim, pode contribuir para uma relação mais simétrica e menos verticalizada.
Cenas de um Arizona com mais nuances do que aparece no noticiário: cinema "de arte", loja hippie, bar de rock e aviso antiarmas em um bar (aqui, andar armado na rua é legal)
PHOENIX, ARIZONA – Sem pensar um segundo, qual a primeira imagem do Arizona que te vem à cabeça?
A primeira, para mim, é areia (desculpem, filmes demais!). A segunda é um conjunto de leis anti-imigrantes duríssimo.
Agora estou aqui. Tem muita areia no ar, é muito seco, como eu imaginava. E as leis anti-imigrante são mesmo pesadas. Mas, ao contrário do que eu imaginava, o Estado com fama de ser o mais linha-dura do país não é assim mais tão radical.
“Sobretudo por causa da migração dos Estados do Oeste, somos cada vez mais moderados”, me disse o ex-jornalista e ex-assessor político Jack Lavelle, que se diz um “conservador das antigas”. Jack não tem dúvidas do que quer para os EUA, mas acha que radicalismo não leva a lugar nenhum.
A economia do Arizona não está nenhuma maravilha, mas está em muito melhor forma do que a de seus vizinhos liberais, Califórnia e Nevada. Por isso, vem recebendo nos últimos anos milhares de pessoas desses Estados. Segundo o Censo, das 39 mil pessoas que se mudaram para o Estado de 6,5 milhões no ano passado, 2/3 vieram de fora dos EUA, e 1/3 do próprio país.
O efeito tem sido, como o republicano Lavelle constatou, uma mudança no perfil político do Arizona.
As leis anti-imigrantes, em termos políticos, também pesaram. Mas do jeito contrtário ao que seus proponentes esperavam. Embora tenham disseminado medo entre os imigrantes sem documentos, levaram aqueles de segunda geração ou em situação regular a se organizarem politicamente. Os sindicatos, quase inexistentes no Arizona, começam a ganhar força.
Os conservadores moderados começam também a reclamar de uma certa fadiga do assunto, preferindo focar em problemas mais essenciais para o país, como os solavancos econômicos. Pesquisas no Estado mostram que a maioria defende a anistia para os imigrantes que já vivem aqui e pagam seus impostos em dia.
O senador local que propôs a lei _que permite à polícia parar qualque pessoa na rua, quase sempre com base em sua cor de pele ou traços físicos, e cobrar-lhes documentos sob ameaça de deportação_ foi tirado do cargo por eleições antecipadas. Seu sucessor é republicano, mas moderado.
Os arizonenses nascidos aqui ou imigrados, liberais ou conservadores, reclamam que a perseguição só lhes trouxe má fama no país, que os vê como intolerantes, e não melhorou a economia nem a política em nada.
Paradoxalmente, sem soluções melhores sobre como reformar de forma eficaz o sistema imigratório, os quatro pré-candidatos republicanos continuam a defender o modelo do Arizona para todo o país. (Alguém se lembra como Rick Perry, governador de outro Estado de fronteira, o Texas, foi escorraçado em um debate no qual tentou defender a anistia?)