O passado à porta
11/09/12 13:54WASHINGTON – Ok, Bill Clinton é hipócrita quando critica a zona que virou o sistema financeiro. Ok, Bill Clinton mentiu sob juramento (sobre sua vida pessoal, mas, enfim). E Bill Clinton, apenas discursando na convenção, provocou um pico de doações para Barack Obama.
É um feito que nem Barack Obama conseguiu repetir para ele mesmo — e ninguém do lado republicano conseguiu por Mitt Romney. Por que isso?
Clinton é excelente orador. Até aí, a retórica de Obama é sofisticada e bem construída; Romney conseguiu expôr sua proposta com a eficiência que prega como sua maior qualidade; Michelle Obama e Ann Romney falaram com paixão (em todos os sentidos); Julián Castro injetou alguma esperança em uma temporada eleitoral que parece, independentemente do desfecho, preparar o eleitor para más notícias; e Paul Ryan conseguiu apelar às bases conservadoras sem solapar a lógica.
O truque que nenhum deles conseguiu foi alinhavar racional e emocional como o ex-presidente fez.
Essa é a explicação óbvia, mas há algo mais profundo aí. Repetirei eternamente que nem Obama nem Romney são ineptos. Os dois, porém, sofrem com um problema de confiança do eleitor.
Obama porque prometeu demais e não cumpriu nem metade. Parte disso foi freada no Congresso — pela oposição. Mas, no fim, o que vale é que o presidente não teve cacife para bancar sua própria aposta. E nem todo mundo está disposto a pagar para ver outra vez.
Romney porque não dá para ter ideia de qual versão do republicano assumiria o cargo, em uma eventual Presidência Romney. O moderado ex-governador de Massachusetts ou o direitista inflexível em que ele se converteu em campanha? A ala ultraconservadora teme o primeiro, o eleitor independente teme o segundo.
Eleitor, em qualquer lugar, tem memória curta. A lembrança que ficou de Clinton, portanto, é do último período de bonança dos EUA.
A linha de ataque republicana tem sido a de que os americanos não vivem melhor hoje do do que viviam há quatro anos. Péssima ideia para eles. Além de questionável (o Gallup, aliás, levantou números que a desmentem) , obriga o eleitor a pensar qual foi a última vez que ele sentiu que vivia bem. E não foi sob George W. Bush — 3 em cada 4 americanos o culpam pela crise, bem mais do que os 48% que associam a degringolada econômica a Obama.
Há um terceiro ponto explicar esse saldo: autoestima. Se alguém tem dúvida da autoconfiança de Clinton, é só dar uma olhada no desprezo dele pelo teleprompter durante o discurso na convenção (aqui)
Ok, seria ridículo achar que alguém chega aonde Obama ou Romney chegaram sem ter autoestima. Mas, às vezes, examinando a evolução de Obama no governo ou de Romney em campanha, tenho a impressão de que eles estão seguindo as orientações de algum “focus group” desfocado. Sabem, aqueles grupos-teste de consumidores que acabam, hoje em dia, ditando os rumos de uma novela, o final de um filme ou o melhor nome para um produto? Então.
Tanto Obama como Romney parecem confiar pouco em seus instintos. Ou talvez eles não tenham um instinto político tão aguçado como tinha Clinton (opositores reconhecem sua capacidade de dobrar eleitores, aliados e inimigos. Levante a mão quem enxergar a mesma capacidade em Obama ou Romney). Isso faz falta.
Esse, achou eu, é o maior saldo das convenções partidárias. Idealismo é importante, eficiência é importante, mas habilidade para dosá-los é fundamental. E, se há uma coisa que esta campanha eleitoral tem provado é que não se faz mais política nem políticos como (nem tão) antigamente.
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Se isso é bom ou ruim, a pergunta caberá ao eleitorado em 2016. Clinton, claro, não é candidato. Mas a mulher dele, daqui a quatro anos, talvez seja. E do lado republicano? Bom, Jeb Bush é um nome bem, BEM forte.